quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Nacionalidade e família humana

Marcelo Gil da Silva
Teólogo

Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN) Graduado



 Imagem extraída de sermaesemsermao.blogspot.com.br
Na Antiguidade havia um conceito um tanto diferente a respeito da nacionalidade, na qual entendemos nos dias de hoje, ao menos no mundo ocidental. No entanto, compreender a forma que os antigos conceitualizavam nação, família, país, governo, povo, etc., leva-nos a entender melhor o mundo atual, especialmente no que diz respeito aos relacionamentos internacionais, refletindo no cotidiano de cada ser humano e, até mesmo dos não humanos, nos quais, estão sujeitos ao primeiro.

Não é possível menosprezar os conflitos internos numa nação, como também as tensões externas, levando às disputas armadas, como comerciais, sendo que há aqueles que se alimentam dessas tensões e conflitos, como a própria indústria armamentista, os boicotes e embargos comerciais, como uma série de ações, que por fim, terminam por determinar como as pessoas viverão, em todos os aspectos.

Os antigos não iniciaram uma civilização de forma automática. Vencer as adversidades naturais sempre foi um desafio para a Humanidade, que vivendo numa pequena família, possuía mais chances de vida. Analisando as origens ocidentais, através  da origem indo-europeia, com a família crescendo, a ordem social vai se transformando, mas também é inevitável os encontros entre diferentes famílias, sendo que assim, estas formam as fratrias, que por sua vez, as tribos, então, as cidades. "Mas, assim como várias fratrias se haviam unido em uma tribo, várias tribos puderam associar-se entre si, com a condição de que o culto de cada uma fosse respeitado. No dia em que se fez essa aliança, a cidade começou a existir" (COULANGES, 2007, p. 138).

As cidades, sendo as próprias reuniões dos núcleos sociais, determinados famílias, compõem o conceito de nação. De certo modo, uma nação era composta de pessoas aparentadas, ou mesmo, compartilhando dos mesmos ideais, como uma adoção, na qual assim, a nação é uma reunião de famílias que formam uma só grande família. Portanto, o pertencimento à uma nação é pertencer a uma família e não a um território. Percebemos muitas vezes, nos códigos antigos, a menção ao estrangeiro, pois viver num determinado território nacional não o tornava pertencente àquela nação. Normalmente não se fazia menção ao estrangeiro, ou seja, não participante da família nacional, pois simplesmente não gozava de um direito. No entanto, no Código Deuteronômico, temos sua menção de forma inédita. "Eles deverão julgar com justiça não só o israelita, mas também o estrangeiro. Isto é verdadeiramente revolucionário, porque nos códigos legais do antigo Oriente Médio, o estrangeiro geralmente não gozava da proteção da lei e, muito menos, era colocado sob uma lei de assistência e promoção social" (KRAMER, 2010, p.254, 255).

A nação Israel é uma composição de judeus e, conforme sua legislação, "um judeu é uma pessoa que nasceu de mãe judia, ou que se converteu ao Judaísmo, e que não faça parte de outra religião” (TZVI SVAJNBRUM, 2012). Há exemplos diversos em diferentes países, na qual ser cidadão, ou seja, nacional, não basta nascer em território nacional, mas pertencer de fato à nação, ou seja, à família nacional. Porém, num sentido mais amplo, podemos contemplar a Humanidade além das divisões nacionais, tendo em vista o entendimento da ascendência de todo indivíduo humano remetendo à uma origem comum, como seres biológicos e através das pesquisas a respeito do DNA humano, temos a ciência de uma origem comum de nossa espécie, colocando assim, todos os humanos em grau de parentesco. "Se você rastrear o DNA mitocondrial de herança materna dentro de nossas células, todos os seres humanos têm teoricamente um ancestral comum" (SLEZAC, 2014, tradução do autor).

Também é comum no discurso do líder da Igreja Católica Apostólica Romana, Papa Francisco o termo "família humana", o que claramente é compatível com o legítimo discurso cristão bíblico, a respeito da origem da Humanidade, remetendo ao ancestral comum, conforme o relato no livro bíblico de Gênesis. "É preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença" (FRANCISCO, 2015, p.17).

Tendo em vista estarmos tão próximos e ao mesmo tempo tão divididos, podemos acreditar que somos então pertencentes a uma grande família humana, sendo todos nós primos, mesmo que de um grau elevado, ou irmãos, como em antigas culturas que muitas vezes não se fazia a distinção entre primos e irmãos, no que diz respeito a fraternidade. Se recordarmos que somos uma mesma família, ainda que divididas em nações e, divididos de muitas formas, haverá então a tolerância, o perdão, o amor e, não mais haverá guerras. A bandeira branca não apenas é neutra, pois não contém a cor de nenhuma nação, mas é o branco a soma de todas as cores.


Referências

Bíblia Online. Nova Versão Internacional. Disponível em [https://www.bibliaonline.com.br]. Data de acesso: 31 Jul 2016.

BÍBLIA, Português. Bíblia sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Ver. Revista e Atualizada no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.

COULANGES, Fustel de. A CIDADE ANTIGA. Trad. Jean Melville. São Paulo: MartinClaret, 2007. 421p.

FRANCISCO. LAUDATO SI'. Libreria Editrice Vaticana. Vaticano: Santa Sé, 2015, 88p. Disponível em: [http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.pdf]. Acesso em: 31 Jul 2016.

KRAMER, Pedro. ESTRANGEIRO, ÓRFÃO E VIÚVA NA LEGISLAÇÃO DEUTERONÔMICA: Programa de uma sociedade igualitária, de solidariedade e de partilha. In: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, Brasília, Ano XVIII, Nº 35, p.247-264, Jul./Dez. 2010. Disponível em: [http://csem.org.br/remhu/index.php/remhu/article/download/238/221]. Data de acesso: 31 Jul 2016.

SLEZAC, Michael. Found: closest link to Eve, our universal ancestor. New Scientist. 2014. Acesso em: [https://www.newscientist.com/article/mg22429904.500-found-closest-link-to-eve-our-universal-ancestor/?cmpid=RSS%2525257cNSNS%2525257c2012-GLOBAL%2525257conline-news#.VDaVqfldVUU]. Data de acesso: 31 Jul 2016.

Tzvi Savajnbrum. Acesso em [http://lawadv.com/pt-br/os-vistos-de-entrada]. Disponível em: 31 Jul 2016.   

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