quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A misteriosa origem da justiça

Marcelo Gil da Silva
Teólogo

Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN) Graduado



Código de Hamurabi (Museu do Louvre - Paris, França)
Como chegamos aos dias atuais com as convenções sociais, que definem nós humanos como seres construtores de uma civilização fundada na inteligência? Certamente há uma espécie de "quebra cabeça" na qual não conhecemos a imagem resultante, nem temos todas as peças. No entanto, nossa inteligência preenche as lacunas como imagens "pixeladas".

Recorrendo às peças que temos, com uma visão interdisciplinar, podemos construir parte da imagem, como um legado de cada geração humana, para que gerações futuras tenham os subsídios que desvendem as respostas de quem verdadeiramente somos nós, qual a nossa origem e, para qual caminho seguiremos.

Não podemos nos satisfazer com uma explicação biológica, pois transcendemos a existência biológica. E mesmo considerando nossa origem biológica, temos uma estrutura codificada, o ácido desoxirribonucleico (ADN em português), popularmente conhecido pela sigla em Inglês, DNA, na qual ainda é um código misterioso nos dias atuais.

Compreendendo então que uma vez que temos humanos andando pela Terra, nossos ancestrais, organizam-se em famílias, depois as tribos, formando cidades e nações. Quanto mais juntos, vem a necessidade de convenções que permitam a convivência entre indivíduos, por sua vez, a tolerância e construção de leis que unam os diferentes, pelas suas individualidades e suas diversas necessidades.

Código Lipit-Ishtar
(Museu do Louvre - Paris, França)
A compilação pelos antigos, de um código legal, não pode ser a origem do próprio código, pois os codificadores precedem o próprio. Não se faz a lei do que não é necessário, mas pela necessidade, se legisla, de forma que temos que pressupor uma situação de conveniência prática anterior às primeiras escritas de qualquer legislação. Através da arqueologia, temos descoberto, especialmente na região mesopotâmica, leis cravadas em rochas, com datações entorno dos séculos XVIII e XVII AEC (Antes da Era Comum), porém, podemos atribuir que anteriormente ao entalhe em rocha, já era natural a utilização dos códigos ali dispostos. Possivelmente, a necessidade de escrever o código, veio a uniformizá-lo para que houvesse a justiça, ao menos a justiça codificada, aos seguidores do mesmo código.

No entanto, não vejo apenas uma escrita de valor temporal, mas o fato dos antigos terem entalhado seus códigos em rocha, há o efeito prático de serem lidos milhares de anos depois. Porém, apesar de serem redescobertos através da arqueologia há menos de duzentos anos, suas essências, permanecerão entalhadas na alma humana através dos séculos. Em geral tais códigos antigos sustentam a base de toda a legislação ocidental, que culmina na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948 EC), na tentativa da disseminação da justiça, que embora muitos se levantaram para defender os preceitos da justiça, que vai além da relações comerciais, da contenção da violência, do direito individual e patrimonial, mas de proteção ao pobre, à viúva e ao estrangeiro.

Pelos séculos, personagens surgiram, vivendo e morrendo, oras escrevendo, oras defendendo o que já foi escrito. Denunciando e se opondo aos poderes, os quais muitas vezes, defendiam a justiça a um grupo supostamente eleito e, na tentativa de eliminar a busca de justiça à Humanidade, tais personagens eram mortos, mas suas ideologias nunca morreram, pois estas quando pareciam que tinham desaparecido, retornavam às sociedades humanas.
Código de Ur- Nammu
(Museu Arqueológico de Estambul)
Imagem de lampuzo.wordpress.com

Eis então o grande desafio da teologia bíblica, que não se reduza à Bíblia, com o início de sua compilação por volta do século VI AEC, embora tenha um conteúdo antecessor, remontando outros antigos códigos, como o babilônico de Hamurabi (XVIII e XVII AEC). A ideia sempre foi prevalecer a ideia, não importando o contexto de onde a ideia renasceria e, a ideia sempre foi a justiça entre os humanos, que pudesse transcender aos não humanos, como toda a biosfera.

Ainda fica difícil determinar a origem dos códigos antigos, tendo em vista ter-se primeiramente uma sociedade experimentando, ou tentando uma convivência que inspira o código. Os antigos não apenas deixaram a ideia de origem divina, como entalharam a origem da justiça ser divina, de forma que muito tempo depois, nós da sociedade desse tempo, tivéssemos acesso à ideologia da justiça, com base na proteção ao indivíduo e tolerância às diferenças. Ainda hoje, temos os que se opõem à ideologia de justiça dos nossos ancestrais, mas não importa se enterram a rocha entalhada, ou se morrem os seus defensores, de uma forma misteriosa, a ideologia ressurge e, possivelmente assim será até que a justiça prevaleça de uma vez por todas em nossa sociedade humana.



Referências

Bíblia Online. Nova Versão Internacional. Disponível em [https://www.bibliaonline.com.br]. Data de acesso: 7 Ago 2016.

BÍBLIA, Português. Bíblia sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Ver. Revista e Atualizada no Brasil. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.

Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Código de Hamurabi. São Paulo: Universidade de São Paulo. Disponível em [http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/codigo-de-hamurabi.html]. Data de Acesso: 7 Ago 2016.

Código de Hamurabi. Disponível em [http://www.culturabrasil.org/zip/hamurabi.pdf]. Data de acesso: 7 Ago 2016.

COULANGES, Fustel de. A CIDADE ANTIGA. Trad. Jean Melville. São Paulo: MartinClaret, 2007. 421p.

Musée du Louvre. Código de Hamurabi. Disponível em [http://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/law-code-hammurabi-king-babylon]. Data de acesso: 7 Ago 2016.    

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